domingo, junho 25, 2006

ANTÔNIO GONÇALVES DA SILVA

Nas minhas GRANDES vivências estudantis/universitárias, aprendi uma coisa que me foi muito valiosa, mais até do possuir um diploma e sair sugerindo superioridade aos quatro cantos. Meu curso, Letras, proporcionou-me uma visão um tanto privilegiada no que se refere à lingua e sua relação mútua com a sociedade. Aprendi, por exemplo, que discriminar alguém pelo sotaque é considerado preconceito lingüístico e que reflete preconceito étnico ou em alguns casos, racial. Discriminar um cidadão pelo fato de ele ser analfabeto ou não possuir nível de instrução considerado de prestígio e julgá-lo assim, incapaz de realizar funções ditas complexas (tal como ocorre com nosso Presidente Lula), também exala arrogância, falta de informação e preconceito que ultrapassa a tênue barreira lingüística.
Língua é cultura, valores, hábitos. Não há como desvencilhá-la da realidade de quem fala. Se você ri do meu sotaque, pode estar no fundo, rindo de mim e até do que represento pra você. É simples e assustadoramente difícil. Se o professor acha que seu aluno escreve mal pelo simples fato de trocar algumas letrinhas imersas nessa enorme sopa que é a língua, pode estar perdendo um criativo escritor. Os reflexos de tudo isso extrapolam o psicológico e atingem o social.
Bom, fiz algumas considerações a respeito desse assunto um tanto vasto (que pretendo aprofundar em uma próxima postagem), para falar de uma crônica de João Soares Neto, "Patativa e o Preconceito" que li na Agência Carta Maior.
A Universidade do Ceará incluiu em sua lista dos dez escritores recomendados para o vestibular, o poeta PATATIVA DO ASSARÉ, poeta, agricultor, nascido em Assaré-CE. Houve uma certa indignação por parte de acadêmicos e personalidades ditas "íntimas das letras" (ai, meu Deus...). O grande entrave dessa indicação para eles, dá-se pelo fato de o cidadão ser analfabeto, autor genuinamente de Cordel, fugindo assim dos cânones clássicos estruturais de uma poesia lírica. Porém, a beleza de seus versos e a sapiência prática, sendo esta típica de uma inteligência que soube apreender o que a VIDA lhe mostrou, são inegáveis:

“Aqui de longínqua serra, de Camões o que direi? Quer na paz ou quer na guerra que ele foi grande eu bem sei, exaltou a sua terra mais do que seu próprio rei e por isso é novo no coração do seu povo e eu, que das coisas terrestres tenho bem poucas noções, porque não tive dos mestres as preciosas lições, só tenho flores silvestres pra coroa de Camões, veja a minha pequenez ante o bardo português.”.


Quem ler um pouquinho sobre sua vida (tem um link!), vai perceber que se trata de uma jóia, fruto de uma sociedade desigual, aterradora, mas real. Trata-se de um artista que extrai de sua vida inspiração para o tão procurado (e válido?) sublime. É miserável, analfabeto, nordestino. Foi reconhecido pelo grande aparelho institucional que é a academia (com muitas ressalvas, é lógico...), mas poderia não tê-lo sido. Permaneceria seu alto valor.


SALVE,
PATATIVA!




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